MONGOLIA SUNRISE TO SUNSET – PARTE FINAL

Publicado em 15 de agosto de 2016

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Chego no km 42 pouco depois de 5 horas de prova, já tenho mentalizado o que fazer na passagem do posto de controle. Ali encontro a Nana, que me dá uma injeção de ânimo com a notícia de que sou o segundo colocado, atrás apenas do japonês voador.
Tão logo inicio a troca das meias, vejo o japa saindo pra segunda perna. Lembrei do significado da minha estratégia: “Mais vale uma parada bem feita do que uma mal feita – e ter de pagar o preço ali na frente”. Trato de fazer as coisas com calma, reabasteço a mochila com cuidado, como algo, dou um beijo na Nana e parto. Tempo investido: 5 minutos.
Tão logo saio da zona do acampamento, pego o caminho errado, o que me custa uns 20 minutos. Dá uma certa desanimada, caminho um pouco, respiro fundo, faço um xixi e, sentindo a mochila pesada, retomo minha corrida.
Faço as contas para o próximo posto de controle, resolvo esvaziar uma das minhas garrafinhas, de forma a reequilibrar o peso da mochila.
Chego no km55 e pergunto à voluntaria francesa quanto tempo o japonês voador estava na minha frente. “Uns 25 minutos!”
As batatas servidas nos postos de controle caíam bem no meu estômago e a nova marca de gel que a Cris havia me indicado também. Meu estômago sensível não tinha reclamado até aquele ponto e as pernas respondiam aos comandos do cérebro.
Começo a subir por uma trilha que margeia um estradão, as marcas nas árvores de cor verde indicando o caminho a ser seguido. A trilha de terra preta e de raízes que brotam do solo dão o tom naquela parte da prova. A meta agora é chegar no Jankhai Pass, no km 59.
No topo da trilha, saio no estradão novamente e está rolando uma espécie de feira. Não tenho dúvida, abro o bolsinho da mochila, saco uns tugriks (moeda da Mongólia), compro uma coca e sai arrotando aliviado.
Tão logo a descida começa, fico tenso. Não vejo mais nenhuma marca indicando aonde ir, volto duas ou três vezes até a ultima marcação e nada.
O mapa mostra que o ponto mais alto fica a 2.083m e eu estou a 1.950m. Não sei ao certo se tenho de atacar a montanha a minha direita ou seguir pelo estradão.
Olho o mapa, respiro fundo mais uma vez e resolvo seguir no estradão morro abaixo. Passa 1, passam 2, 3, 4kms e nada de marcação… Penso comigo, Meu Deus, se tiver de voltar tudo isso, será um martírio psicológico pra mim…
Paro um carro que vem na minha direção, e dentro dele uma família mongol. Aponto no mapa o próximo ponto que devo alcançar e escuto: “Urik, Urik!”, e um sinal de positivo. Sinto um certo alivio, mas ainda sigo com o coração apertado.
Finalmente, quando meu relógio aponta km 63, vejo numa árvore uma marcação. Meu corpo amolece, numa mistura de felicidade e descompressão, por não ter errado o caminho.

uma das marcações da prova!!
uma das marcações da prova!!

A sensação mais estranha não demora a acontecer. Seguindo as trilhas fechadas por entre as árvores, vejo um vulto no meu campo de visão. Por um momento acho que é uma alucinação. É o japonês voador. Vai devagar, bem diferente do ritmo habitual.
Pouco antes do PC Uren, no km65, passo por ele e sinto meu estômago reclamando. Reflito sobre o que tenho de fazer naquele posto de controle a fim de não perder tempo. Chego no PC, tiro a mochila das minhas costas, lanço mão do meu kit de primeiros socorros e tomo um sal de frutas. Abasteço com água, pego mais uma batata e parto rumo ao próximo posto de controle – tudo  isso na velocidade em que um corredor de 10 executa a sua prova.
Confesso que a sensação de liderar uma prova enche minha cabeça de bons e maus pensamentos:
1. Pqp… tô liderando uma prova pela primeira vez;
2. Minha família e meus amigos sentirão um puta orgulho se eu ganhar;
3. O nome do Brasil e o meu entrarão para a história;
4. Será que o japa está na minha bota?
5. Não olha pra trás!
6. Não viaja, você não ganhou porra nenhuma, falta muito chão, foca
no que você está fazendo!
7. A estratégia discutida com meu coach está dando certo.
Pensamentos que confortam, mas que, ao mesmo tempo, me incomodam. Pra ficar com os pés no chão, digo pra mim mesmo,
Quieta o facho, tem muita prova pela frente, o japa está na sua cola e seu objetivo aqui é ser finisher”.

foto tirada por um dos atletas da prova!
foto tirada por um dos atletas da prova!

 
Sem olhar para trás, faço do trecho seguinte o mais rápido da prova. Mantenho um ritmo tão forte ao ponto de o coração querer saltar da boca. Cruzo vários mongóis em seus cavalos pelo caminho, lembro de algumas cenas da série Marco Pólo que passa no Netflix, e que conta a epopeia do Império Mongol.
Meu segundo drop bag está em Modot Bulan PC, no km76.
Quando chego lá, me sinto um popstar. Vários mongóis querem tirar uma foto com o primeiro colocado. Penso comigo, Caraca, não ganhei nada, ainda tem 25k pela frente e essa turma querendo fazer selfie comigo? Sinto a pressão de ocupar aquela posição, sinto que o japa pode chegar a qualquer momento.
Resolvo relaxar um pouco, tiro algumas fotos enquanto começo a fazer algumas trocas programadas. Saí Salomon, entra o Hoka, sai a meia molhada e entra a meia seca, sai a camiseta surrada e entra camiseta seca e cheirosa… Reabasteço e pimba, pé na trilha.
Ainda no Brasil, recebi um envelope dos amigos Elmo, Fernando, Sinoca e Vinícius, que só poderia abrir neste PC. Volto pra prova ainda com ele lacrado, não quero perder mais tempo e, tão logo abro, sou surpreendido com uma linda foto da familia e os amigos, com algumas palavras de incentivo #paunocat, #noizxomcicaonamongolia… Lágrimas caem e aumentam meu desejo de seguir forte na corrida.
O PC seguinte é em Jankai, no km88, talvez o trecho mais exótico e lindo da prova, todo ele feito em trilha cercada por árvores e, à direita, um despenhadeiro de onde se pode ver o Lago Hosgvol.

Lago Hosgvol e a sua beleza!!
Lago Hosgvol e a sua beleza!!

Procuro manter qualidade, algumas vezes olhando pra trás a fim de verificar se o japa voador está chegando. É sério, ainda estou impressionado pelo ritmo alucinante que ele havia colocado na primeira parte da prova e aquilo me deixa inseguro.
Essa parte da prova parece não querer acabar. Procuro não dar trégua às minhas pernas e todo comando que vinha da minha cabeça eu procurava seguir. Quando finalmente a floresta acaba, escuto os voluntários gritando e batendo sinos.
Chego no PC morto, mergulho duas fatias de pepino no sal e mastigo, sinto o sal percorrer meus músculos, que por sua vez me respondem assim, “Anda logo, Cição, que nós não iremos aguentar muito tempo”.
É preciso ter a cabeça no lugar, pois os últimos 12km são compostos por um estradão – um sufoco, ao menos para mim. Prefiro subir ou descer, ficar no plano não me é nada fácil. Quando esses pontos chegam, procuro me espelhar naqueles que mandam bem nesse tipo de terreno, como Fernandinho, Míni Cooper, Lígia… Penso sempre que eles estão ao meu lado, me incentivando.
Naquele momento prova, corro em campo aberto e, portanto, eu era a caça, não mais o caçador. Se o japonês visse meu estado, provavelmente saberia como me caçar.
Tento encaixar um ritmo confortável e quando as pernas deixam de responder, passo a usar a força mental, procurando focar em algum objeto a minha frente – uma placa, uma ponte, um animal – e digo pra mim, Vamos, Cicão, simbora correr até aquele ponto! Chegando lá, caminho um pouco e logo acho outra pequena meta a ser alcançada e assim vou seguindo… Nesse trecho, olho pra trás um milhão de vezes!
Estou cansado, morto, mas sabendo que dou tudo de mim, não 100%, mas 110%.
Quando entro no acampamento e percebo que não posso mais ser alcançado, faço um vídeo, chorando pra cacete. Passa pela minha cabeça, ainda sem entender direito, que um sonho estava se tornando realidade.

Meu momento - Ayrton Senna do Brasil
Meu momento – Ayrton Senna do Brasil!!! – photo Khasar Sandang

Caracas, o Brasil vai ganhar! Sim, eu vou ganhar a mesma prova que havia visto no canal OFF há 3 anos. Sim, o locutor vai falar meu nome e o nome do meu país!
Corro, corro muito, e a poucos metros da chegada, vejo a bandeira do Brasil delicadamente repousando no solo que cavaleiros mongóis percorrem há milhares de anos.
Seguro ela em minhas mãos e, como o Senna fazia, faço ela flamular sobre minha cabeça e meus ombros. Escuto gritos, assobios, sinos, paro embaixo do pórtico e aponto pra cima, avisando a todos: Preparem as máquinas, vou saltar! E salto, homenageando meu outro esporte favorito, que é o voleibol. Lágrimas caem dos meus olhos quando vejo a Nana me filmando, toda orgulhosa.

Aquele momento de redenção, felicidade - 100km depois em 12h59m!!
Sempre termino as minhas provas fazendo uma menção ao esporte que serviu de base na minha vida que foi o voleibol! – photo by Khasar Sandang

Grito, pulo, vibro com todas as minhas forças, cumprimento todos e, por fim, dou um salto no lago Hosgvol. Um momento de benção pela vitória. Sim, vim de muito longe, só tinha uma chance e graças a Deus fui feliz.

Sonho realizado!!!
Momento de redenção – 100km depois – Sonho realizado – Que legenda merece este momento??? – Photo by Khasar Sandang

O meu muito obrigado ao meu técnico Sinoca e ao Gabriel que cuida da carcaça. E aos amigos queridos e a minha família o meu eterno carinho, respeito e amor.
Bons treinos e paunocat!!!
Orgulho master: http://ms2s.dk/ (site da prova)
Abraços
Cição

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