KTR CAMPOS DO JORDÃO – VAMOS DEVAGAR QUE ESTOU COM PRESSA!!!

Publicado em 29 de junho de 2016

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Na minha preparação para os 100k da Mongólia – Sunrise to Sunsite, escolhi fazer os 42km do KTR de Campos do Jordão. Vários amigos que fizeram em 2015 rasgaram elogios, me dizendo que a prova era tão dura como o KTR de Serra Fina, também pudera o slogan dos caras é “A Natureza fez o percurso e o KTR preparou o desafio”.
A energia era excelente a família inteira ia correr, as kids na prova dos pequenininhos, o Fernando nos 12k, a Nana e a Jôjo nos 22k e eu e a Cris nos 42k. A minha filha Rebecca de 6 anos estava empolgadíssima em correr com outras crianças, já a Valentina disse que não estava muito afim de fazer força rs.
Assisti atentamente o briefing da prova no Hotel São Cristóvão e ali pude perceber como a diretoria da KTR preza pela segurança dos atletas, tudo era dito nos mínimos detalhes sem abrir espaço para nenhuma dúvida. Tão logo a palestra terminou, fomos descansar.

Sentindo a energia daquele amanhecer no alto do Pico Itapeva
Alto do Pico Itapeva – foto Juliana Salviano – TRB

Antes do sol nascer, ainda de madrugada, nos dirigirmos até Arena da prova, que por sinal é uma das mais lindas que já vi no Brasil. Situada no alto do Pico do Itapeva, conseguíamos ver toda a cadeia de montanhas ao nosso redor, literalmente estávamos acima das nuvens.

Uma das arenas mais linda do Brasil - KTR
Uma das arenas mais linda do Brasil – KTR

Ao lado da Cris e do Fernando fomos os primeiros atletas a chegar na arena, ao lado do Sinoca e da Juliana sua esposa, ajudamos a montar a barraca da assessoria TRB. Não estava tão frio o quanto imaginávamos. Fizemos belíssimos registros do lugar enquanto isso aos poucos o movimento de atleta aumentava.
A prova longa passava pela arena por volta do km16 e afim de fazer uma transição mais ágil me programei para usar duas mochilas, uma para a primeira parte da prova e outra para final.
A boa ideia acabou caindo por terra pois tão logo vesti a minha primeira mochila, logo percebi que havia um vazamento no meu compartimento de água e de cara abortei a ideia de correr com ela. Enfim, não estava totalmente equilibrado, vinha de uma semana difícil, havia dormido muito pouco e precisava ter que encontrar o meu equilíbrio “flow” durante a prova, coisa que não seria fácil.
Fui para largada, pedindo proteção a mim e aos amigos que ali estavam, depois de alguns abraços, as lágrimas vieram aos olhos, pensei comigo, mas já? Segura a tua onda pois você terá algumas boas horas de corrida pela frente.

Visual da Largada
Visual da Largada

O sol surgia no horizonte e centenas de fotos eram tiradas por atletas e familiares, ali do meu lado, as feras do trail nacional, uns mais conhecidos outros menos. Tão logo a buzina tocou, lá fomos nós, despencamos morro abaixo. Antes do primeiro km, passou por mim voando baixo, o Chico Santos, que sem dúvida nenhuma, vive uma das melhores fases da sua vida no trail, na sequência passou por mim Espartana Leticia ‘AROOO” Sartori esbanjado potência.

Anota a placa, Chico Santos voando!!!!
Anota a placa, Chico Santos voando, Leticia no calcanhar e logo a minha frente o Jiu.

Ainda sem encontrar o ritmo ideal, as pontas dos meus pés estavam duras de frio e a minha água ainda não havia descongelado, entramos num single track, tratei de me concentrar. Olhava atentamente onde estava pisando, pois, qualquer desatenção poderia ir pro chão. Percebi um fair play por parte de todos os atletas durante aquele trecho, ninguém forçou nenhuma passagem, todos eram conhecedores de que haveria muita prova pela frente. Durante a descida encontramos o Tani diretor geral da prova que pedia cuidado aos atletas com aquela parte que estava bem lisa.
Os quilômetros foram passando e na minha frente ia o Juliano, atleta humilde, gente fina demais vindo de Minas Gerais, seus bastões eram formados por dois bambus, emborrachados na ponta com o máximo de cuidado, feitos por ele mesmo e tão leve quanto os bastões mais modernos, pensei comigo a “inteligência roceira” faz diferença.

Jôjô sempre esbanjando simpatia mesmo nos maiores perrengues!
Jôjô sempre esbanjando simpatia mesmo nos maiores perrengues!

Nos primeiros 25 minutos de descida aconteceram algumas coisas interessantes, de atleta cortando caminho, da 2 colocada que havia se perdido, do próprio Juliano que tirou os olhos da trilha por um segundo e “catapuf” foi pro chão e felizmente não se machucou até a minha ida para a dianteira deste segundo pelotão. Isso aconteceu até dar de cara com uma cerca onde haviam fitas na cor amarela da ktr, pensei que era um bloqueio e que tínhamos que subir, ledo engano, aproveitei fiz um “pipizinho” o atletas que vinham atrás tomaram a dianteira passando por baixo das fitas. Encontrei um frasco contendo capsulas de sal e bcca´s que algum atleta havia perdido, justamente ao passar pela cerca.
Perguntei ao Luiz Torres atleta que está se preparando para os 105k da Ultra dos Perdidos e o mesmo falou que não era. Reencontrei o meu ritmo e ao passar por alguns atletas, continuei perguntando se aquele frasco que havia achado era de um deles. O engraçado foi que um dos amigos acabou brincando comigo respondendo assim “Ahhh esse frasco aee deve ser do Chico Santos” pensei comigo: se for do Chico ferrou pois nunca irei alcança-lo rs.
A primeira Parede
Encontramos com o primeiro posto médico, um dos médicos, usava o autofalante da ambulância para perguntar a cada atleta se estávamos bem. Começamos a subir um morro descampado e ao olhar para cima pensei: cacete, estávamos acima das nuvens e agora vamos ter que subir uma verdadeira parede.
Ao passar por mais um atleta, finalmente havia encontrado o dono do frasco, o mesmo me agradeceu muito por ter feito a gentileza de ter levado até ele com certeza faria falta. A subida era bruta, e o segredo era ter: paciência, força e foco. As minhas pernas respondiam bem, controlava a minha evolução pela altimetria que o meu relógio me apontava, 680m, 720m, 810m, 940m, 1010m, e assim sucessivamente até chegar a 1.700m, quando a mata abriu surpresa, demos de cara com mais um morro, este descampado, era uma outra mini parede.

Sobe sobe sobe
Sobe sobe sobe

Ao terminar a subida, alguns fotógrafos faziam registros de nós atletas, duro mesmo era fazer uma cara de não “sofrência”.
Já conseguia ver a arena e as pessoas incentivando os atletas. Ouvindo o incentivo dos amigos e principalmente das minhas filhas “Vamos Papai, vamos”, atingi o cume com 2h:31m depois da largada, passei na tenda da TRB e as minhas coisas estavam separadas, tirei a minha segunda pele joguei dentro da mochila e vesti uma camiseta mais leve.

Momento inesquecível e emocionante - beijo da minha filha Rebecca sob o olhar da minha outra filha!
Momento inesquecível e emocionante – beijo da minha filha Rebecca sob o olhar da minha outra filha!

Começava a sentir o meu estomago e pedi um sal de frutas (cometi um erro de não ter colocado no meu kit de emergência), acabei não achando e resolvi seguir em frente. Não quis demorar muito ali parado, entre ganhar um beijo das minhas filhas e se alimentar passaram 4 minutos. Passei pelo pórtico tive a minha mochila verificada e continuei.
Não demorou muito e aquele bendito urso marrom subiu nas minhas costas, caminhei um pouco pois sentia a minha mochila muito pesada, pois acabei recarregando com tudo que tinha direito, água, comida, gel fora os itens obrigatórios (lanterna de cabeça, 2 pele, anorak, etc).
Tão logo mais uma descida começou, tentei encontrar um ritmo confortável. Foi mais de 1 hora despencando morro abaixo, acabei dando uma virada no meu pé, mas é o tipo de coisa que acaba acontecendo. Usava as arvores como apoio e sempre pensava nos planos a, b , c e d afim de tomar as melhores decisões, tentando evitar alguma surpresa que por ventura a natureza pudesse me impor.

Crisinha ladeira abaixo!
Crisinha ladeira abaixo!

Na metade desta descida, encontrei um atleta de Ubatuba que havia parado para se alimentar, não demorou muito ele me alcançou, conversamos um pouco, ele comentou comigo que havia sido campeão do desafio das serras, disse-me que estava sofrendo muito e que havia pensado em parar na arena e que a esposa dele não havia deixado, pensei comigo, se correndo assim você está sofrendo, imagino você estando bem, deve voar esse “lazarento rs”.
No final da descida encontramos um staff que anotava os números de cada atleta que passava, e junto com ele havia um cooler cheio de Guaranita, mandei uma para dentro e dali começamos a subir. Novamente o mesmo e velho esquema, saímos de uma altura de 640m e iriamos até 1.875m.
A Segunda parede
Diferente da primeira subida, senti o meu estomago mais do que nunca, enjoos e comecei a perder forças. Perdi qualidade na minha locomoção e por algumas vezes pensei em vomitar e simplesmente parar e descansar. Usava os troncos das arvores como alavanca para subir, o tempo ia passando e as minhas coxas davam sinais de que a qualquer momento poderiam ter câimbras, administrava as minhas capsulas britanicamente, mas não sentia que elas faziam efeito.
Numa última tentativa, tirei a mochila das costas e andando abri a mochila na esperança de achar um sal de frutas, este movimento foi o suficiente para tomar um escorregão e ir para o chão. Procurei, procurei e nada, pensei comigo, agora é força mental, para ir até o fim desta subida. As câimbras aumentaram, fiz duas rápidas massagens e na sequência peguei um punhado de batata frita, e coloquei na boca, foi difícil de engolir, porém foi o suficiente para que as dores cessassem.
Naquela altura da prova, a minha corrida era igual a de um carro 1.0 na ladeira, devagar quase parando. Felizmente o relógio apontava mais de 1750m de altitude, havia chegado finalmente numa região descampada. Já quase no alto de Campos do Jordão, um staff indicava o caminho a seguir, ali e tão somente ali senti um equilíbrio na prova, comecei a cantar o Rappa “Se os meus joelhos não doessem mais, diante de um bom motivo, que me traga fé, que me traga fé” abria os braços, sorria, dava uns gritos, por um momento achava que a prova estava terminando, só que não, não demorou muito e um outro staff indicava a entrada de uma nova trilha.
Lugar gostoso para correr, mas depois da pancadaria que havia enfrentado até ali, a minha corrida não estava do jeito que gostaria, passei um atleta e fui ultrapassado por outro, olhava no relógio e pensei calma Cição sua meta é chegar em até 8 horas, você está treinando para a Mongólia, olhava o relógio e já tínhamos 7h:10m de prova.
Olhava as fitas e corria entre elas, numa bifurcação já sozinho entrei a esquerda e vi de “rabo de olho” um staff vindo do lado direito, dei uns dois gritos, indagando: “o caminho é este??? Ele me disse, sim. Aliviado segui em frente e ao final da trilha, beirando uma cerca havia um staff indicando que a prova estava acabando, na última subida, escutei a voz do Fernandinho me incentivando, perguntei se estava acabando rs a minha família e os meus amigos me esperavam gritando e incentivando.

Fernandinho voou baixo foi 4 no geral na prova curta e primeiro na categoria.
Fernandinho voou baixo foi 4 no geral na prova curta e primeiro na categoria.

Havia prometido ao Mini que dedicaria essa prova ao Vitor seu filho que acabara de nascer, peguei o celular na mão e só deu tempo de gravar, algumas palavras e senti a energia da galera.

foto que fala, a chegada da Nãna acompanhada da Rebecca
foto que fala, a chegada da Nãna acompanhada da Rebecca

Completei a prova em 17 no geral e 4 na categoria com 7h:33m, isto é o que menos importa, o que valeu foi a minha força mental para seguir em frente mesmo passando por alguns perrengues.

chegada estilo Cição (sempre saltando lembrando dos tempos de volei)
chegada “estilo Cição” (tem um significado, um dia vou escrever sobre)!!

Missão dada Missão cumprida!
Aprendi nessa prova que não devemos subestimar os detalhes da preparação pré prova. Cometi muito pequenos erros que tiraram o meu equilíbrio mas que serviram de mais um grande aprendizado. Sentir a energia de todos os atletas, das assessorias, da Ready4 e no final do dia no petit comité com os amigos realmente não tem preço.
“As subidas são onde nascem os campeões, onde os caminhos tortuosos levam as melhores vistas do amanhecer”
(Vitor esse post também eu dedico a você, um dia espero que leia, talvez você não vai entender, mas espero estar vivo para lhe contar essa e outras muitas história)
É isso , se você chegou até aqui é porque gosta deste esporte e tem paciência rs
Bons treinos e pau no cat!
instagran: cicao_paunocat
Cição

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