O MEDO:
A minha volta a Perdidos foi incentivada pela minha esposa, que em 2014 não havia concluído e tinha prometido a si mesma de que voltaria neste ano para ser finisher. E sabendo do tamanho do desafio que enfrentaria em Perdidos, fiquei com uma pulga atrás da orelha, por mim e por ela, pois tinha muito medo de não chegarmos preparados para esta prova. Nos últimos dois meses, passamos por alguns perrengues na preparação para esta prova pois ambos estavam com dores nos joelhos.
PRÉ-PROVA:
Durante a minha preparação, procurava sempre que possível trabalhar o meu emocional. Trabalhei com frases de incentivo e sempre recorria a elas, quando achava que estava ficando desmotivado. A Maratona dos Perdidos de tão desafiadora que é, garante 1 ponto para o UTMB (Ultra Trail du Mont Blanc).
Tinha um grande incentivo em participar desta prova , pois um grupo de queridos amigos estaria lá. Uma noticia de última hora me deixou triste, o meu grande amigo Thiago “Mini Cooper” por motivos profissionais acabou tendo que desistir de fazer a prova. Não deixei a “peteca” cair e olhando o copo cheio, acabei tendo um insight e acabei criando a hastag #minicorremosporvc, acho que no fundo, esse meu amigo nem percebeu essa singela homenagem, mas no fundo no fundo, ele se fazia presente.
Durante a semana da prova as informações que chegavam de Tijucas do Sul, não eram lá muito animadoras, chuva, vento e frio tomavam conta das montanhas. Nessas horas, a melhor coisa que fazemos é “ver o copo cheio”, saímos sexta cedo de São Paulo com destino a Curitiba, chegamos no aeroporto Afonso Pena, o clima era péssimo. Logo depois de retirarmos o nosso kit, encontrei um dos atletas mais carismático e forte do Brasil, o Fernando Názario, campeão de Torres del Paine, pedi para tirar uma foto e por um bom tempo, ficamos ali falando de provas e do esporte que tanto amamos.
Tão logo a noite chegou o nosso grupo se reuniu para o nosso jantar. As muchachas puxadas pela: Cris “Anna Frost brasileira”, Giovana “Jôjô”, Nãna “Sósia da Julia Roberts” e a Pri “Fotógrafa da turma e parceira”. Disse pra mim, que grupo de amigos tem uma fotografa japonesa só seu ? rs e Los muchachos: Eijiro “Samurai das Montanhas”, Gustavão, correndo pela primeira vez em Perdidos e completando o time: Fernandinho e eu, ambos Finishers em 2014. Os semblantes eram distintos, alguns tranquilos e outros um pouco mais tensos, também não era pra menos….Perdidos se aproximava e não tínhamos mais como voltar atrás…
A PROVA: 44km – 3.000m de ascensão – Tempo Limite 10horas – Tempo de Corte nos 23km 5horas!!!
Acordamos as 4 da matina, checamos todos os equipamentos e partimos. A primeira coisa que veio na minha cabeça foi como estaria o tempo? Será que faria o mesmo frio insano que fez no ano passado? Ou Será que vai chover? As preces de todos os corredores foram atendidas, pois partimos de Curitiba com um céu estrelado, sem nenhuma nuvem no céu, com uma temperatura de 13 graus. A prova acontece no município de Tijucas do Sul, pelo menos 1 hora de carro de Curitiba. Além da nossa prova, algumas centenas de outros corredores fariam os 13km no mesmo dia.
Fizemos os ajustes finais e fomos para a linha de largada, passamos pelo funil de checagem dos equipamentos obrigatórios (headlamp, jaqueta cortavento, manta térmica). Ainda de posse dos meus bastões, tinha muita dúvida se levaria ou não, pensei comigo: “Caramba Cicero, momentos antes da largada, você ainda não definiu isto? Que corredor é você, que não planeja as coisas com antecedência?” na última hora decidi não levar os bastões. Tratei de colocar na cabeça o seguinte mantra: “faz força, mas acima de tudo divirta-se”
Momentos antes da largada e como sempre faço, rezei baixinho pedindo proteção a todos os atletas e principalmente aos meus amigos que ali estavam. Abracei todos eles e como num passe de mágica, a contagem regressiva havia começado 10…9…8…continuei agradecendo a Papai do Céu e pedi a ele, que meu pai conversasse comigo durante a prova..7…6…5…4…olhei pros lados e lá estavam boa parte dos atletas mais “cascudos” do País (Miragaia, Ivan Pires, Cleverson “o Fantasma”, Leticia Sartori “Campeã” do KTR e vice campeã dos 90km de Agulhas Negras, etc) 3…2…1 FOOOOOOOOOOOOOOOOOOMMMMMMMMMMMMM!!!!
Quando partiu a cavalaria, o que se ouvia era o barulho da trilha que era formado pela respiração dos atletas e as passadas firmes. Ajustei o meu ritmo e percebi que logo nos primeiros kms, corria ao lado da Leticia Sartori, campeã da ultima edição da prova com 6h:48m. Pensei comigo: “Cição devagar com o andor que o santo é de barro”, você fez 7h15m ano passado, correndo com bastões e neste ano sem bastões e com o terreno muito mais técnico você quer andar no ritmo da campeã?? Sossega o facho cabra!!”
É claro que cada prova é uma prova, cada momento é um momento, mas eu não tinha como não comparar a experiência que eu já tinha em Perdidos.
Na subida para o Morro dos Perdidos sai pela esquerda para fazer um “pipizinho” e achei o meu ritmo bem confortável e de fato este ritmo havia me colocado num ritmo que me colocava no segundo pelotão. Fui procurando tomar as decisões corretas. Sabia que um pouco antes do cume do morro dos perdidos havia uma pequena trilha bastante técnica, ali passei alguns atletas que saíram mais fortes do que eu, mas que tiveram um pouco mais de cautela para enfrentar aquele pedaço, atingi o cume de Perdidos com 52 minutos. Dali em diante enfrentaríamos um charco que por sinal estava bastante encharcado. Estava logo atrás de um pelote com 3 corredores.
Logo que entramos no primeiro downhill. Os corredores que estavam na minha frente erraram o caminho, pegando uma marcação errada a esquerda (uma fita branca velha), eu dei um grito avisando-os que eles erraram o caminho que o correto era seguir a fita vermelha (esse senso de navegação eu agradeço ao meu técnico Sinoca e ao Fernando). Fiz o que o meu coração achava que era certo, apesar que um deles logo de cara ficou meio puto comigo pelo fato de chamar atenção deles com um grito.
Passei a ser o líder deste pelote, cheguei até a me aproximar do Fernando no single track mas tão logo alcançamos a descida em estrada de terra o Fernando disparou e eu optei por ser mais conservador haja vista que tinha muita prova por vir e eu estava sem os meus bastões. Fui ultrapassado por dois atletas tão logo passamos por uma boiada que ocupava um pedaço da estrada.
Assim que acabou essa descida adentramos um novo single track, ali podemos ver cachoeiras e atravessar um belíssimo rio com ajuda de uma corda. Ao cruzarmos esse rio parecia que estávamos numa pista com óleo. Aqueles que não usavam o tênis apropriado tiveram que gastar muita energia para subir por aquele caminho, toda aquela chuva que por vários dias havia caído nas montanhas daquela região se fazia presente.
Os kms foram sendo conquistados um a um por vezes caminhando forte por outras correndo. Uma das dicas que aprendi nesses anos de corrida em montanha foi que um corredor experiente também anda na subida, mas este corredor anda com inteligência, com um propósito, que é o de não esmorecer na primeira dificuldade. E assim lá fui eu a cada subida.
Cheguei no km 23 com 3h05m de prova exatamente o mesmo tempo do ano passado. Lá dei de cara com o Fernando, Ivan Pires e outras caras conhecidas, não demorou um minuto eis que surge a Leticia (1ª colocada feminina). Ali era o momento de eu me dar de presente o que eu havia prometido. Saquei a minha mochila tirei meu xburger e devorei-o com um soft drink chamado coca cola…vocês conhecem? Rs
Um staff olhou pra mim e disse? Xburger? Eu disse: “aqui está o segredo do sucesso brouuu!! Tempo de parada 4 minutos, parti sem esmorecer rumo ao morro de Aracatuba.
Sabia que havia uma subida insana para ser enfrentada e um donhiill muito louco antes de encararmos a ultima subida que nos levaria ao Morro de Aracatuba (1.674m) o ponto mais alto da prova. Fui ultrapassado pelo Fernando, por um jovem corredor que corria com um shorts da Asisc. Procurava me mantr focado e subir forte de acordo com as minhas condições, tão logo o primeiro ataque acabou, começamos a descer Leticia e eu. Demos de cara com alguns corredores de eleite voltando reclamando de que não havia fitas de marcação.
Num primeiro momento achei estranho, pois me lembrava bem que havia passado por aquela trilha no ano passado. Mesmo com uma duvida no ar eu e o Fernando resolvemos arriscar e continuar descendo sem marcação, alguns atletas voltaram e nós apostávamos em nossa intuição. Tomamos um meio banho de agua fria, quando demos de cara com uma porteira fechada (pensei “pqp” será que de fato estamos errados?? Resolvendo continuar morro abaixo, abrimos a porteira e continuávamos descendo naquele estilo “cheirando a enxofre” tamanha a pancadaria….a fila era mais ou menos assim: Fernandinho puxando o pelote, eu fugando no cangote, no meu calcanhar vinha a Leticia, atrás dela, o Ivan Pires e mais 3 atletas, imagina só a socação de bota que foi este pedaço da prova. Não demorou muito e as marcações voltaram. Dali tivemos a certeza de que algum mau intencionado tinha arrancado as marcações.
Saímos num estradão de terra, alcançamos o famosos milharal onde tivemos o nosso numero de peito picotado. Aproveitamos e avisamos a organização do que havia corrido e eles logo mandariam alguém naquele ponto para corrigir a marcação.
Naquele ponto encontrei o Miragaia, o mesmo havia tido alguma contusão e acabou desistindo da prova. Começara o ataque ao morro Araçatuba. Vejo a Leticia na minha frente pegar duas madeiras e fazer delas bastões que auxiliariam na sua subida. Eu pensei comigo, siga o mestre, acabei achando um pedaço de madeira e fiz o mesmo. Para chegar no cume do Morro você precisa fazer 02 ataques, o primeiro por um single track muito íngreme e outro por um charco de uns 4 kms que ao longe você consegue ver o cume, mas enfrentar esse charco é um tremendo desafio. Cada passada muitas vezes você afundada seu pé até a canela, você consegue imaginar como é correr dessa forma?
Tão logo cheguei ao ponto mais alto da prova o Morro de Araçatuba, começaria ali a descida, eram cerca de uns 14km até a linha de chegada. A descida era bem técnica, conforme os kms foram passando eu ficava mais sozinho na trilha. Faltando uns 3km para o final enfrentamos um single track de barro puro, onde os atletas que tinham feito os 13km haviam passado antes dos atletas dos 44km. A situação era “periclitante”, simplesmente barro até a canela em todo trecho. Olhava pro meu relógio e o que me motivava era chegar antes das 7h:15m de prova. Logo que terminei esse trecho aos trancos e barrancos cheguei na estrada de terra e avistei os staffs que indicavam o caminho rumo ao pórtico de chegada.
Fui tomado pela emoção, deixei que o meu pai falasse comigo e as lágrimas não demoraram pra cair. Gostaria de compartilhar uma frase : “Valorize teu pai, tua mãe, tua família, teus amigos, valorize os que estão ao seu lado, a vida não avisa quando eles irão partir.’
OS AMIGOS:
Infelizmente a nossa guerreira Cris sentiu fortes dores na lombar e achou melhor parar no km23. pois como havia sido finisher em 2014 sabia que a segunda metade iria exigir demais dos atletas.
O primeiro a terminar a prova foi o Fernandinho um pouco acima de 7 horas, eu vim logo em seguinda com 7h:13m, o Gustavão foi batizado em alto estilo, pois conseguiu ser finisher dentro do tempo limite de 10 horas, o Eijiro o nosso “Samurai das Montanhas” realizou seu sonho também.
A chegada mais emocionante foi sem dúvida da Giovana que apesar de ter batido o tempo limite de prova manteve-se firme cruzando a linha de chegada com lágimas nos olhos, ela foi recebido por todo o grupo que a cobriu de carinho.
Momento fã: Aqui um momento de destaque e orgulho, pois se teve alguém que tinha muita dúvida se seria capaz de terminar esse desafio, essa pessoa era Nãna. Lembro-me que na noite anterior a prova, num momento somente dela, escutei ela chorando baixinho, a leitura que fiz naquele momento, era como se ela pedisse aos céus, forças para terminar aquele desafio prometido há 1 ano atrás.
Sabem o que aconteceu? A Nãna não só foi finisher como foi 1 lugar na categoria, terminou de mãos dadas com outra corredora, ato mais simbólico e forte que existe no trail run.
Bom gente, sinceramente nem sabia se iria escrever este post. Fiquei na dúvida, mas sinceramente, acabo achando que a minha maneira louca de relatar as minhas emoções podem servir de ajuda ou de inspiração para uma outra pessoa.
CURIOSIDADE DOS EQUIPAMENTOS:
TENIS: SALOMON S-LAB FEELCROSS -> Tênis com excelente grip, o que ajudou muito a encarar a subidas com muito barro.
MOCHILA: SALOMON S-LAB -> extremo conforto, fácil acesso para pegar as coisas.
MEIA: DRYMAX -> sempre tive muito cuidado com os meus pés, pois na única vez em que não tomei este cuidado quase desisti de uma prova. Mesmo correndo com os pés 90% úmidos não tive qualquer sinal de bolha.
BERMUDA: SALOMON -> o que me atria nas bermudas da salomon, são os vários bolsoa que ela possui, assim consigo carregar várias coisas durante a prova.
IPOD: Trilha sonora rock and roll, black music e 4 musicas (forrós em homenagem ao meu pai)
Parabéns ao Tourinho da TRC pela organização.
Sugestões:
1) o locutor tem que ser fera, é um momento único de cada atleta (chama o galo véio do Bonato de novo, ou convida a Fabi que faz locução pra Shubi);
2) o setlist precisa inspirar e envolver os atletas e quem esta na arena;
3) a premiação poderia ser do 1 ao 5 por categoria, mais reconhecimento, mais divulgação;
Agradecimento Especial: Ao Dr. Mauricio do Instituto Cohen, que em todos os momentos me ajudou a ver o copo cheio, tratando do meu joelho não só com a orientação precisa bem como com mensagens de incentivo. Definitivamente a forma como ele cuida de seus pacientes transcende a parte racional da profissão. Obrigado Mauricio!!!
É isso aeee galera !!! Beijos bons treinos e pau no cat!!!
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