Segue o meu relato sobre a primeira Edição brasileira do The Northface EC Agulhas Negras! Faço deste post uma homenagem a cada corredor de montanha deste País.
Resolvi fazer algo diferente desta vez. O Trail Run é um esporte maravilhoso, que inspira, que comove, e que serve para unir os amigos como uma verdadeira família. Por isso, convidei alguns amigos queridos para me ajudarem com a seguinte missão: enviar uma foto prova, dizendo, em uma única palavra ou frase, o que essa prova representou na visão de cada um.
A preparação para essa prova pareceu a de um aluno de vestibular. Se fosse “finisher” teria certeza de que havia conseguido os preciosos 02 pontos que serviriam para voltar ao Ultra Trail du Mont Blanc em 2016. Essa era a minha meta e tudo começou a ser desenhado no final de 2014 quando, em conversa com o meu técnico, decidimos que seria uma excelente oportunidade.
Tiveram pontos importantes para que optasse por fazer os 80k das Agulhas Negras, o primeiro deles era que todos os meus amigos iriam fazer a prova, optando por uma das distâncias, desde o iniciantes nas distâncias de 11K, passando pelos 21K, 50K e os 80K. Outro ponto era que encontraria ali a elite do Trail brasileiro, alguns ídolos, os atletas patrocinados por diversas marcas, além do atletas anônimos, que também são verdadeiros feras, iriam participar desta grande festa.
Partimos de São Paulo, eu, Nana, Cris rumo a região de Itatiaia onde chegamos na noite da quinta-feira e fomos direto para arena da prova. Fiquei muito feliz por ter encontrado o meu técnico Marcelo Sinoca logo de cara. Tiramos fotos, conversamos e partimos para a nossa pousada que ficava a 5km de Visconde Mauá no bairro Maromba.
Na manha seguinte de céu azul, nem bem terminei o meu café, recebo um delicioso convite do meu técnico: “Cição esta afim de trotar com os atletas da Northface?” A excitação aumentou na mesma hora que disse sim, partimos eu, Cris e Nana e nos encontramos no Hotel Burlher local escolhido (um dos mais antigos da região) para hospedar toda a equipe da Northface.
Fui recepcionado pelos atletas Manu Vilaseca, Sinoca, Virgilio, Carlos Magno, Ju Salviano e pela Dena atleta americana. Trotamos por quase uma hora num clima de pura descontração e alegria. Tiramos inúmeras fotos, trocamos muitas ideias sobre provas, experiencias e sentíamos ainda mais a energia do lugar.
O dia foi passando e tínhamos coisas importantes para serem feitas. Retiramos os nossos kits, ajustamos os equipamentos e, tão logo jantamos, voltamos para a pousada, pois a largada dos 80K aconteceria às 4 da matina e, pra isso, devíamos acordar as 2 da madrugada.
O relógio despertara pontualmente as 2 da madrugada. Não demorou, salto da cama e tomo uma ducha rápida, afim de acordar os meus músculos. Visto a minha bermuda, passo hipoglós nos meus pés, visto as minhas meias de compressão, calço o meu tênis e visto a minha camiseta de numero 58. Checo pela ultima vez a minha mochila e os itens obrigatórios, dou um beijo na minha esposa, lhe desejo uma prova nos 50k e saio para encontrar a turma da madrugada.
Tudo a postos, fomos para largada Cris, Mini e um amigo de Três Corações – MG que nos pediu carona. O caminho até a largada era estranho, tentávamos relaxar mas ao mesmo tempo sabíamos que teríamos um longo dia pela frente. Faltando 15 minutos para a largada, entrei no funil de checagem de equipamentos, o staff olhava e verificava se eu estava com o meu anorak e o meu cobertor de emergência. A fundo ouvia o som do AC/DC – T.N.T, por um momento me perdi da Cris e do Mini e nesse meio tempo cumprimentei o Chico Santos “cearense arretado” e a Manu super campeã. Fiquei lá no fundão de propósito, larguei quase em último pois, psicologicamente pra mim, o que viesse pela frente seria lucro. Dei um abraço fraterno nos meus amigos e desejei-lhes boa sorte com palavras de incentivo, olhei pro céu, pedi proteção e fiz um oração interna e partimos.
Antes do primeiro km, precisei dar uma parada para fazer um “pipizinho” fruto da ansiedade, e voltei rapidamente para a prova. Tratei de acelerar, pois sabia que logo mais haveria um single track e não queria pegar muito transito na trilha. Estava muito preocupado com os cortes que, nesta prova, eram severos, de padrão internacional.
Na medida que o tempo ia passando encontrava rostos conhecidos e concentrados, poupava energia, fazia acenos com a mão, mas não abria muito a boca, exceto para pedir esquerda para pedir passagem ou para dar passagem para alguém mais rápido.
Na descida do primeiro single track a prova já mostrava suas garras, éramos desafiados por um piso escorregadio, por haver inúmeras raízes, troncos, travessias de rios, que até mesmo os atletas mais experientes precisavam do máximo de cuidado e atenção.
Numa dessas descida pedi esquerda a um atleta de maneira muito educada : “quando possível você poderia me dar esquerda?” o atleta bem mau educado respondeu de maneira ríspida da seguinte forma: “será que você não sabe que a prova é longa? Você vai dar com os burros na água?” respondi a ele da seguinte forma: “meu amigo, cada atleta tem uma estratégia, se me der mau a responsabilidade e minha”; acabei passando-o, mas confesso que aquela energia ruim havia mexido comigo ao ponto de ter que respirar fundo e voltar a me concentrar na prova.
Ainda no escuro corríamos num plano ao lado de um rio, éramos eu, a 5 colocada no feminino, atrás de um atleta que pelo sotaque, devia ser do Rio. Ele apertou o passo e abriu da gente uns 800 metros, estava um pouco forte para a minha estratégia, resolvi dar uma segurada. Ao mesmo tempo que olhava as marcações, seguia de longe a lanterna do atleta que havia me passado. Percebi que ele ia bem a minha direita, resolvi segui-lo e quando menos esperava, ao pular um arame, cai numa especie de charco, e bati os meus joelhos numa pedra e ficando com água até o peito.
“Respirei fundo e, por alguns segundos, achei que a minha prova havia chegado ao fim, tamanha era a dor que sentia.”
A 5 colocada, que vinha grudada em mim, também caiu mas, felizmente, não se machucou. Percebemos que a marcação mandava os atletas para a esquerda e não para a direita. Pensei comigo,”Não havíamos chegado nem no primeiro posto de controle e cá estava eu, tendo que resolver algo que não estava no script”
Corria com certa dificuldade e respirava fundo tentando pensar em coisa positivas, o primeiro posto que era para dar as caras no 9,7km só foi aparecer depois de 12km. Comecei a usar os recursos que havia programado para mais tarde, antes do prazo, o meu ipod que ligaria somente no km 45 para servir como um incentivo, ligara ali mesmo.
A música que tocava era 8 Anjo e o refrão era assim: “Acharam que eu estava derrotado, quem achou estava errado, eu voltei, tô aqui, se liga só, escuta aeeee, ao contrário do que você queria, to firmão, to na correria, ao contrário do que você queria, sou guerreiro e não pago pra vacilar, sou vaso ruim de quebrar”.
Pensei…nada é por acaso. Engole o choro Cição e vamos pra cima de cada km com fé e força.
O dia foi amanhecendo e a beleza do lugar se revelando, o dia era de céu azul. Andava num ritmo forte pelos estradões da região, ao chegar no posto de controle 3, estava com 1 hora acima da linha do corte, perguntei ao staff quantos haviam passado? ele me disse: “você é o 29”. Fiquei com aquilo na cabeça e me preocupava com a Cris e com o Mini, pois a prova estava duríssima e não sabia ao certo onde eles estavam.
Confesso, não gosto muito de correr em estrada, gosto muito mais de montanha, do sobe e desce. Torcia um pouco o nariz para aquela imensidão de estrada e abria um sorriso quando chegavam as trilhas com subidas e descidas. Ao chegar no posto de controle no pé da pedra selada, conheci um amigo pessoalmente que já era meu amigo nas redes sociais – o Paulão do BOPE. Ele me perguntou você não é o Cição? “Pau no Cat?” eu disse: Sim sou eu”, nos cumprimentamos e seguimos morro acima, ele na minha frente e eu logo atrás.
No meio da subida ele deu uma parada para comer algo e eu rapidamente alcancei o topo da Pedra Selada onde havia 02 bombeiros que alertavam os atletas sobre ter cuidado na descida pois, além de escorregadia, estava com muitas raízes. Useis as cordas, a luva e a minha técnica, afim de dar qualidade na minha corrida, e, fruto disso, voltei a ter no meu campo de visão a 6 mulher (atleta da territorio mountain).
A descida castigava as minhas pernas mas dentro de algo suportável, o que incomodava mesmo era o joelho que estava inchado. A passar pelo km 50, senti que seria finisher, a parti dali, era questão de cabeça, de auto controle. Acabei encontrando o Lessa, atleta experiente, que me pediu um gel, acabei brincando com ele dizendo: “esse gel vale um vinho rs custo de oportunidade, ele riu e brincou falando que o gel estava muito caro rs.
A diferença entre o meu garmin e as marcações da prova chegaram a marcar 9,9km de diferença, então, ao perceber isto, eu reprogramei a minha mente para correr 90km e não mais 82km como estava na programação. Havia tido esta experiência na Maratona dos Perdidos feita em 2014, o que era pra ser 44km viraram 47km e como eram os mesmos organizadores, a minha ficha havia caído logo quando dei de cara com a primeira diferença entre a marcação da prova e o meu relógio.
Passei pelos 80km com 11 horas de prova, pensei comigo: “olha que maravilha se a prova terminasse agora rs Só que não!” Tratei de seguir em frente sem esmorecer, fui passando por vários atletas dos 50km.
Derrepente escutei uma musica que queria ouvir muito durante a prova “Maria Maria na versão do Emerson Nogueira” – Maria Maria, é um dom uma certa magia, um força que nos alerta! Mas é preciso ter força é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre.” Naquele momento, os meus olhos encheram de lágrimas, não só porque a minha mãe tem o mesmo nome da musica, mas também porque foi no mesmo momento que encontrei um cara fazendo os 50km no qual eu sou fã e que me inspira o Carlos Dias Ultra. Falei oiii pra ele, disse-lhe que era seu fã e desejando boa prova e a minha voz embargou, lágrimas caiam aos montes. Ele me desejou boa prova guerreiro, continue firme e forte.
Faltando menos de 6km para terminar, entrei no asfalto e, de longe, vejo um caminhão vindo na minha direção e logo percebi que era o Gui Pádua, só deu tempo de ouvir o grito VAI CIÇÃO SEU MONSTRO!!
Naquela altura da prova, era tudo gana, raça e fé! Ouvia os atletas dos 50km reclamando e eu ali feliz e amarradão, curtindo os meus momentos ao máximo pois estava perto de realizar mais um sonho. Lembro-me que ao dar uma palestra para um grupo de pessoas que trabalham comigo, eu havia falado de preparo, planejamento, objetivo e o quanto é gostoso se preparar para algo que te faz feliz e que você quer muito. Aquele turbilhão de pensamentos me faziam dar um passo após o outro e que logo logo tudo aquilo que havia falado se tornaria realidade mais uma vez.
Entrei numa trilha final e faltando uns 3km me deparei com uma subida insana e a minha pressão cairia abruptamente. Achei por um segundo que ia desmaiar, tamanha era a minha exaustão, vi o Lessa se aproximando, abri passagem, fucei na minha mochila procurando algo que pudesse comer para fazer a minha pressão subir.
Achei bem lá no fundo um bolinho da minha filha “Ana Maria sabor chocolate com cenoura”, devorei aquele bolo com lágrimas nos olhos
Rapidamente minha pressão subiu, tratei de acelerar, já podia ouvir o locutor e a musica da arena. Entre eu e o meu objetivo, naquele momento só havia a travessia de um rio, pouco mais de 50 metros, me separavam para a glória. Acompanhantes ficavam do outro lado da margem, gritando e dando palavras de incentivo. Fiz a minha travessia explodindo de felicidade, completamente molhado, mas com o coração aquecido, olhos cheios de lágrimas.
Foram segundos de uma apoteose, esperado por meses, fui trotando devagarzinho, como se dissesse pro mundo, escuta? Já acabou? Quero mais 10km, mais só de apoteose? Pode ser? Quero mais 10km só de aplausos? Pode ser? Quero mais 10km de lagrimas nos olhos? Pode ser? Quero pular 100 vezes, para mostrar ao mundo que sou FINISHER, pode ser? quero mostrar pro mundo, que sou um dos atletas do trail que se dedica e que AMA o que faz pode ser?.
Só sei que na chegada, lá estavam muitos amigos, Cris que infelizmente foi cortada (a fera ficou enjaulada mas voltará mais forte e preparada), o Eijiro e a sua querida esposa Pri, (o Edinho meu irmão de anos), o Fernandinho e a Gi, o pessoal da assessoria TRB, o meu técnico Sinoca e em especial a minha esposa que me recebeu com um abraço que valeu como uma medalha olímpica.
Fiquei muito feliz com a Nãna que pode ser finisher nos 50k que, na verdade, viraram 54km dentro de um excelente tempo, cresceu como atleta, cresceu no seu preparo, fico muito orgulhoso da sua evolução e a sua chegada foi digna da chegada do Mont Blanc EMOÇÃO A FLOR DA PELE!!!!
Pensando que as emoções tinham terminado fomos avisados pela Estela que o seu querido e amado esposo Mini Cooper estava cruzando o rio para também ser finisher nos 80K. A emoção da sua chegada junto com a sua pequena Gabi (filha) foi algo que ele sonhou muito e que, teria realizado.
É isso galera ! se você conseguiu ler até aqui é porque o texto valeu a pena.
Abraços e bons treinos!!
Racionalmente temos:
LARGARAM: 400
CONCLUINTES: 99
COLOCAÇÃO:
GERAL: 27
MASCULINO: 21
CATEGORIA: 5
TEMPO: 12H29M:20S
O QUE FUNCIONOU:
Postos de controle
Segurança da prova
Comida
Hidratação
A dedicação da equipe TRC em conseguir deixar a prova de pé em tão pouco tempo depois do imprevisto que tiveram no acesso ao parque nacional do Itatiaia.
O QUE PODE MELHORAR:
Camiseta da prova bem decepcionante (uma marca que vende produtos de alto nível não pode por dar no kit uma camiseta tá ruim)
Marcação de Kms (diferença de mais de 7km)
Marcação da trilha (muita fitas que não refletiam a luz da lanterna e o tombo que levei foi por falta de marcação num lugar de alto risco)
Pódio para os 5 primeiros lugares em todas as categorias, estamos em festa, não falo por mim, falo por todos.
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