Fazia muito tempo que não escrevia. Andava meio desanimado com o teclado, mas ao mesmo tempo, fervilhavam ideias na minha cabeça. A palavra “travessia” percorreu a minha mente durante os meus treinos nas últimas duas semanas, por isso inicio este post com um poema do Fernando Pessoa:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. – Fernando Pessoa
Tive a honra de ter sido convidado para fazer a Travessia Marins – Itagaré – Marins. Pernoitamos na casa do querido amigo L.M e logo bem cedinho, ao lado do Thiago “Mini Cooper”, Evandro “Chico Bento” e do nosso Coach Marcelo Sinoca, fomos de carro até o estacionamento do Miltão, no “pé” do Pico dos Marins. Era a minha terceira vez naquela região, pois já tinha feito um ataque ao cume do Pico dos Marins e feito essa mesma travessia, mas iniciando no Marins e indo até Itagaré.
Desta vez seria diferente por várias razões: estávamos em menor número, faríamos o caminho contrário e o tempo que começou claro e bonito ficaria nublado e chuvoso na segunda parte do treino. Decidimos que faríamos a primeira parte por estradas de terra , cerca de 16km até a base em Itagaré e depois seguiríamos pelas montanhas.
Logo após a largada, brincávamos uns com os outros, pois até aquele momento ninguém tinha ido no banheiro (e você, amigo que corre, sabe muito bem a diferença de correr pós a passadinha no banheiro, tudo fica mais leve, rs). Durante o percurso admirávamos a beleza da cadeia de montanhas à nossa direita e as fazendas e sítios na nossa canhota. No km 5 o primeiro a ser pego pelo “number 2” foi o nosso técnico Sinoca. Rápido como um “rastiro” de pólvora, ele encontrou uma moitinha e tratou de fazer o seu regime. Acabou acelerando o processo pois teve a visita de um porco do mato o que o fez ir do susto ao um monte de gargalhadas. Não demorou nem 2km e o Evandro “Chico Bento” sumiu da estrada. Ele também foi pego pela necessidade de ir ao banheiro. Ele demorou mais que a encomenda rs. Enquanto aguardávamos, registrávamos a beleza do lugar e perguntávamos se ele não queria um jornal ou uma revista para ler tamanha era a sua demora rs.
Depois do momento “aliviar é preciso”, demos continuidade rumo a Itagaré, o ritmo que mantínhamos era ligeiramente forte, fechamos os primeiros 16km em 1h:40m. Chegamos a base e sabíamos que era o último ponto com água em abundância, tínhamos que nos abastecer. A partir dali, começaríamos a etapa mais dura e divertida da nossa jornada. Seguíamos na trilha de mata fechada e não demorou muito para encararmos uma subida bem íngreme com cerca de uns 3km. O céu que estava azul, ao final da subida já estava completamente tomado por nuvens. Dependíamos muito da experiência do Sinoca e do apoio do L.M, pois o nosso campo de visão foi reduzido drasticamente.
Nos mantínhamos concentrados, sem deixar o bom humor de lado. Enfrentamos trilhas com pedras, raízes, mato bem fechado e com aquele capim amarelo, que pra mim, na verdade, é um capim “lazarento” pois, corta a sua pele com enorme facilidade.
Cabe agora destacar alguns momentos que nos chamaram a atenção:
Momento 1: Foi uma subida que tivemos que usar nossas cordas devida a parede de pedras que enfrentamos.
Momento 2: Pedra Redonda, uma beleza natural. Quando chegamos na metade do caminho a encontramos! Imagine uma pedra gigante sobre uma outra pedra de mesma grandeza, parece que a mão de Deus colocou-a ali para embelezar ainda mais a região.
Momento 3: Passamos por um lugar que ficava entre a encosta de um paredão e um precipício, era coisa de uns 4 metros, o suficiente para gerar um clima de tensão.
Depois de horas de travessia, faltava uns 3km para o fim da nossa jornada. Fomos pegos por uma forte chuva de granizo e por isso, tratamos de acelerar. Chegamos ao morro do Careca somente com alguns arranhões e sem nenhum tombo contabilizado. Pensava com os meus “botões” que tudo estava praticamente finalizado e já me imaginava comendo aquele pãozinho de queijo da Vó do L.M. Resultado: levei em menos de 1 km, dois tombos daqueles de ficar com as pernas pro alto, como há muito tempo não levava. E para completar o pacote ainda tasquei a cabeça num tronco. Se não fosse filho de cearense cabeça chata, teria ficado por ali mesmo, estendido no chão. Ser da terrinha tem as suas vantagens rsrsrs..
Vídeo do momento mais tenso durante a travessia!
Depois de 8h:09m, 32km e mais de 4.300m entre subidas e descidas, chegamos cansados e exaustos ao nosso ponto de partida, mas com a sensação de missão cumprida. A última vez que tinha feito essa travessia, havia levado mais de 10 horas, o que eu considerava um bom tempo. Por isso, estava muito feliz com a realização de hoje.
Fomos recebidos na casa do L.M com aquele delicioso pãozinho de queijo da Vó, um “cafezin” passado na hora e um lindo e delicioso bolo. Ficamos proseando por horas. A noite fomos a um restaurante simples e de excelente bom gosto, onde recuperamos as nossas forças com um belo caldinho de feijão com mandioca, regado a um bom Rosé da Provence porque, afinal de contas, ninguém é de ferro rs.
Dicas para a prova:
- Nunca enfrente uma trilha deste tipo se não tiver acompanhado por alguém muito experiente.
- Estude o percurso.
- Leve comida, água e um kit de primeiro socorros na sua mochila.
- Avise aos amigos e familiares o que irá fazer, onde irá correr e leve celular.
- Use o equipamento correto, não despreze o clima na montanha.
É isso…
Próxima travessia que irei contar será Toca do Lobo – Paiolinho.
Abraços, bons treinos e pau no cat!!
Cição
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