Existe um lugar-comum na vida de cada atleta em busca do aperfeiçoamento técnico sempre calcado no treino, na dieta e no descanso. Nem sempre essa rotina é fácil e prazerosa, principalmente quando existem paralelamente outras exigências e compromissos do profissional, pai, marido e dos demais papéis que vamos conquistando e assumindo no nosso caminho. Mesmo assim, é exatamente essa disciplina que doutrina o nosso corpo para atingir o potencial máximo.
No lado B dessa história, há outra batalha imprescindível no esporte, exigindo rigor igual ou maior que a do próprio corpo. Falo do controle psicológico e emocional que cada um de nós precisa ter em todos os momentos.
Na última maratona que participei, a Salomon Ultra-Trail na Hungria, muitos percalços encontrados durante a prova foram ultrapassados muito mais pelo preparo mental que me alimentava, do que pela resposta direta do meu preparo físico às condições do ambiente. Não que um seja mais importante que o outro, mas tenho plena consciência de que se tivesse sido guiado apenas pelo preparo técnico eu teria sucumbido ao calor, ao percurso noturno, à sede e à fome que fizeram parte daquele caminho.
Nessa prova, eu estava desde o início mentalmente muito forte. E a minha fortaleza tinha nome e sobrenome: a ONG Amigos do Bem http://www.amigosdobem.org/ . Apresentada por um amigo, o projeto dessa organização tem um trabalho específico no sertão nordestino, levando acesso à saúde, educação e infraestrutura aos moradores da região. Como uma pessoa com o olhar atento para o terceiro setor e como filho de imigrantes nordestinos, foi fácil esse projeto bater direto no coração. E rapidamente ele se tornou um desafio a ser conquistado na prova da Hungria.
Márcio, o amigo que me apresentou à ONG, me propôs realizar um crowdfunding, onde cada quilômetro percorrido seria transformado em um litro de água a ser doado para a região de seca no Nordeste. O resultado surgiu em menos de 24 horas, com todos os 112 quilômetros de prova comercializados e revertidos em água. Isso fez com que antes mesmo de chegar ao local da prova eu já tivesse um desafio e compromisso imensos para cumprir.
Eu me apeguei a isso e aos dois recados que escrevi para mim mesmo, colados no meu tênis de corrida – não desistir e água para quem tem sede – e que me acompanharam durante toda a prova. Toda vez que olhava para baixo na iminência de desistir, lá estavam os motivos para olhar para a frente e seguir. Isso me fortalecia mentalmente e me fazia resistir aos sinais de fadiga do corpo.
Esse lado “B” da minha vida de atleta também é decisivo fora das pistas. Seria ingênuo pensar que as dificuldades não nos acompanham em outros âmbitos. Mas, assim como o vigor físico não vem de repente, o psicológico também não. Com foco e perseverança ele é conquistado para enfrentar uma maratona, um impasse profissional ou até mesmo uma crise pessoal na boa e velha máxima da tentativa e do erro. O importante é sempre ter um espaço para escutar as próprias possibilidades de ir além. Afinal, assim como nas nostálgicas fitinhas cassetes de antigamente, ninguém escutava só as canções do lado A, certo?
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