O dia chegou …
As quatro da manhã toca o despertador. Não me custa levantar, pois dormi bem e o nervosismo não chegara tão intenso como de anos anteriores, acordo a Nana e olho pela janela do meu quarto e já observo a movimentação de atletas na rua, a notícia não poderia ser melhor, pois não chove e tão pouco faz frio, algo tão raro como encontrar um diamante rosa em plena rua. Tomo uma ducha rápida. Observo a pilha de roupas que cuidadosamente separei na noite anterior e começo a colocar peça por peça da minha vestimenta, sem esquecer dos itens que vão me auxiliar durante a prova. Passo um anti atrito nos meus pés, toco-os com carinho pedindo para que eles toquem o solo com leveza, rapidez e inteligência, visto as meias de compressão, a minha bermuda e calço o tênis. Escuto movimento no apartamento, o Sandro, o apoio logístico das meninas já está de pé esbanjando humor e a Cris já prepara um delicioso café cujo o aroma já toma conta do apartamento.
Saímos nós 4 do apartamento e tomamos a fila do ônibus que nos levará até a largada. O clima está perfeito e procuramos nos descontrair enquanto a fila anda. Tomamos o nosso ônibus pontualmente as 5:15 da matina e levamos uma hora e meia até Orsières. O caminho da estrada era sinuoso que lembrava um sambar na avenida de uma rainha de bateria de escola de samba, vamos observando o amanhecer nas montanhas.
Chegamos a Orsières e já sentimos o clima da prova esquentando, pois centenas de ultras se espalham pela cidade. O nosso primeiro desafio ali era achar um banheiro decente para aliviarmos digamos assim a carga rs. As meninas com o seu carisma não demoram a encontrar esse lugar tão desejado (os corredores que estão lendo esse post sabem exatamente o quanto isso faz diferença rs).
Começo a sentir o entusiasmo da prova a medida em que vamos nos aproximando do pórtico de largada. Escuto o grito da galera, seguindo a locução francesa e inglesa, sabia exatamente como eram os rostos dos locutores, eram os mesmos dos anos anteriores, divertidos e simpáticos. Achamos um café bistrot do lado da largada e tínhamos tempo suficiente para um cafe (aliás que delicia de café). Nos aproximamos do pórtico escutávamos a música tema da prova “home – Gy phillip phillips”. De longe vi o Gui Padua, atleta gente finíssima que faria desta prova seu maior desafio.
Tive a oportunidade de tirar uma foto com a diretora da prova, Ms Poleti e quando a locutora que saiu da zona dos patrocinadores para conversar com alguns atletas eu não tive dúvida, levantei minha camisa e mostrei a minha tattoo que fiz em 2013 foi como se declarasse todo o meu amor as montanhas e aquela prova, em retribuição ao meu carinho ela acabou nos entrevistando: primeiramente a mim, Cris e a Nana (que com a sua timidez) passou a palavra.
Em nosso intimo, torcíamos para que as dores não dessem o ar da graça como se estivéssemos anestesiados com morfina, para que a logística da prova funcionasse como um relógio suíço, para que o dia fosse igual a de uma manhã clara de céu azul bem friozinho, como uma manhã de céu azul na cidade de Campos do Jordão, torcemos para que o setlist seja tocado numa seqüência perfeita, como se fosse comandado pelo DJ David Guetta. Torcemos para que cada alimento ingerido por nós, seja absorvido pelos nossos corpos e se transforme em energia pura como um combustível de alta performance num carro de F1.
A prova….
Na medida que a largada se aproximava, olho pro semblante dos corredores e percebo que existe uma mistura de alegria e tensão no ar. Essa mistura irá durar umas 5 horas para os mais rápidos que buscam um lugar na história e umas 14 horas para aqueles que querem ao menos terminar a prova. Todos nós iremos sentir se a preparação foi adequada, se os incontáveis dias de treinos, se as inúmeras subidas foram o suficiente para chegarmos em Chamonix. Essa corrida em especial para nós brasileiros é uma corrida de vida ou morte, não podemos nós dar o luxo de falharmos, lutamos contra dores, contusões, isso tudo faz com que o OCC seja uma corrida em que tenhamos que colocar a faca nos dentes.
Momentos antes da largada, o padre da cidade toca um instrumento esquisito e cumprido como se abençoasse a todos. O Sandrao nos abraça e deseja boa prova e se esgueira pela galera afim de achar um lugar na frente do pórtico para fazer a melhor imagem da nossa largada.
Começa a contagem regressiva em francês, 10,9,8,7,6…o som da música aumenta, decido que essa será a música da prova, dou um abraço fraterno na Cris Faccin lhe desejando boa prova 5,4, abraço e beijo a Nana dizendo que ela tenha calma e que corra por prazer que tudo dará certo 3,2,1 DEPART…..largo com lágrimas nos olhos para variar e de cara escuto um grito de incentivo Vaiii Cicao, sentimos a emoção e alegria dos moradores da cidade, tocando sinos e nós aplaudindo, passamos a curtir essa vibração e tão logo saímos da cidade, começamos a contemplar a beleza das montanhas. Ainda num ritmo tranquilo, cada corredor procura se posicionar sem deixar de curtir a “vibe”, centenas de crianças estão espalhadas nos primeiros kms, toco as mãos de várias, a sensação que tenho, é como se me passassem energia me tornando mais forte para seguir em frente.
Imagens da Largada!!
Sempre falo que a trilha coloca cada corredor no seu devido lugar, isto fará com que fiquemos em harmonia com a natureza para que consigamos cumprir a nossa jornada.
A primeira hora de prova transcorre dentro da mais absoluta normalidade, logo na primeira grande subida ajusto os meus bastões e me posiciono atrás de duas mulheres que com certeza eram irmãs, pois usavam a mesma roupa e a semelhança física era impressionante. Ao final da subida guardo os meus bastões e tomo a frente de alguns corredores. A próxima parada estava a 8km em Champex, sabia que os mais rápidos estariam lá entre 45 minutos a 1 hora, sabia também que tínhamos 2 brazucas fortíssimos que andariam nesse pelotão, o Manzan (um dos mais experientes e fortes corredor brasileiro que conheci pessoalmente aqui em Chamonix, cara humildão gente fina) e o rei da montanha o José Virginio esse dispensa comentários, ambos corredores esguios, com muita força experientes. Corredores deste nível, normalmente passam rapidamente pelos postos de controle.
Passei por Champex com 57 minutos, me sentia bem e focado. No caminho recebi um grande incentivo do Tani da Kaylash e de sua esposa, ambos gritaram meu apelido e me disseram que eu era o 4 brasileiro e estava entre os 100. Pensei comigo? Wow! Que bacana! Mas sabia que ainda tinha muito chão pela frente. Cuidava da minha hidratação e da minha alimentação como uma mãe cuida do seu bebe, pois sabia que qualquer descuido poderia sair bem caro.
Na medida em que o tempo ia passando, o calor ia aumentando, começava a sentir a minha headwear molhada do meu suor (o que me fazia lembrar dos treinos ensolarados na Serra do Japi). Todas as vezes que cruzava com um rio colocava a minha faixa embaixo daquela água para me refrescar. As trilhas por vezes eram estreitas, e por vezes bem largas onde dava tranqüilamente para desempenhar a corrida com bastante leveza. Havia já um bom tempo que um corredor catalão marcava o ritmo da prova a minha frente, estávamos indo rumo a Trient km 24, depois de ter passado por Lagiete no km 19, lá eu teria notícias por das meninas e ganharia um incentivo do meu brother Sandrao…
continua….no próximo ultimo post desta aventura!
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