Os primeiros desbravadores do Mont-Blanc diziam “Só circularão pelas montanhas, se a velha montanha não estiver com o seu cachimbo aceso, ou seja, só correrão por lá se o clima da montanha permitir”.

Estive em Chamonix em 2010 para correr os 98km do CCC. Depois de correr 81 km por 19 horas e faltando apenas 17 km para finalizar a prova, fui impedido pela organização de continuar a prova por questões de segurança. A chuva não dera trégua durante todo o dia, ameaçando seriamente o deslizamento das montanhas, pondo em risco a integridade física dos atletas.
Naquele ano apenas, 400 felizardos, dos 2000 participantes do CCC concluíram aquela prova. O clima prejudicou todas as provas daquele ano, o UTMB, a prova clássica de 160 k teve apenas 100 k; e o TDS de 119 k, foi cancelado. A montanha decidiu como seria a prova em 2010.

Foto tirada em Vallorcine no km81, no exato momento em que soube que não poderia seguir na prova em Chamonix em 2010.
Foto tirada em Vallorcine no km81, no exato momento em que soube que não poderia seguir na prova em Chamonix em 2010.

A sensação de frustração me bateu de tal forma que imediatamente prometi a mim mesmo que voltaria ao Mont-Blanc tão logo fosse possível. Na volta, de Vallorcine para Chamonix, ambas na França, o clima entre os participantes parados no quilômetro 81 era de tristeza, frustração e de total desânimo.
Nunca tinha deixado de completar uma prova ou impedido de tal. Vinha de tão longe, éramos pouquíssimos os sulamericanos em Chamonix, mas não nos deixaram continuar.
Já no hotel, fiquei por quase uma hora na banheira de roupa e tudo, pensando naquele impedimento e no significado que teria o certificado de Finisher. Nenhum. Eu não cheguei em Chamonix, não cruzei o belíssimo pórtico de chegada, não escutei a música tema da prova.

Pórtico em Chamonix e a bela Igreja Paroisse Saint Bernard du Mont-Blanc.
Pórtico em Chamonix e a bela Igreja Paroisse Saint Bernard du Mont-Blanc.

No dia seguinte, ao acordar naquela manhã, o céu de Chamonix era outro: completamente azul, pintado de parapentes de todas as cores. E decidi voar naquele negócio para amenizar a minha frustração. E no céu fiquei por 40 minutos contemplando a beleza do Mont-Blanc e sonhando com o meu retorno.

O cenário ainda ganha maior beleza com o Mont-Blanc, a maior montanha da Europa Ocidental com 4.808 metros de altitude.
O cenário ainda ganha maior beleza com o Mont-Blanc, a maior montanha da Europa Ocidental com 4.808 metros de altitude.

Quando sento para escrever sobre The North Face Ultra-Trail du Mont Blanc 2013 (UTMB), imediatamente começo a sorrir. A alegria que senti durante e após a corrida, parece bom demais para ser verdade.
Tento trabalhar a memória seletiva em relação à corrida Se as coisas correm bem, eu, moderadamente, acabo me esquecendo dos pontos baixos da prova. Ser capaz de minimizar os momentos dificeis é sempre uma prioridade, mas nunca deixei de aprender com eles. Tomei cuidado em relatar todas as minhas memórias de forma a compartilhar o máximo das minhas lembranças com os amigos, leitores do meu diário de viagem.
O Ultra-Trail du Mont-Blanc é uma prova que esta na sua 11º edição e que contempla 4 grandes provas de ultra distancia: o CCC 100 km, com 5950 de desnível; o TDS 119 km, com 7250 de desnível; o UTMB 166 km, com 9000 de desnível; e o PTL 300 km prova em equipe com 24.000 de desnível. Números que não acabam mais (pra quem lê, imagina para quem compete). Essas provas acabaram reunindo mais de 6 mil corredores vindos de mais de 72 países, transformando Chamonix na capital mundial das ultramaratonas.
E eu estava lá. Para superar 2010.

As dificuldades da prova exigem força e concentração a cada km.
As dificuldades da prova exigem força e concentração a cada km.

Para tudo na vida existe um começo. E um empurrão. E, no meu caso, esse apoio veio da família e amigos.

Quando conto do meu envolvimento nas ultramaratonas, uma das primeiras perguntas é “quem me incentivou a correr”. A resposta é bastante simples: sempre amei o esporte desde criança. Futebol, voleibol e, enfim, corrida. E foi através do esporte que conheci alguns dos melhores amigos, assim como a minha esposa.
Comecei como todo mundo, fazendo inúmeras provas de 5k, 10k, 15k e depois acabei chegando às provas de 21k e as maratonas. Foi ao lado do André, um grande colega, que encarei a minha primeira e inesquecível ultramaratona: o Cruce de Los Andes, em 2009, uma prova de 100k na Patagônia.
Com pouca (ou nenhuma) experiência encarei aquela prova. Sofri com dores no joelho, mas com garra e força terminamos a prova com 15 horas. Poderia ali ter encerrado a minha participação em provas de trilha e de ultra-distância, mas era ali que começava uma verdadeira paixão por provas deste tipo.

No Acampamento do Cruce de Los Andes 2009 com meu amigo André Coutinho.
No Acampamento do Cruce de Los Andes 2009 com meu amigo André Coutinho.
Amigos (e inspirações) na chegada da Cruce de Los Andes, em 2009.
Amigos (e inspirações) na chegada da Cruce de Los Andes, em 2009.

 
 

As vésperas de uma prova de velocidade, meu treinador e eu falávamos de determinação e foco. Porém, essa prova pedia mais que isso, também pedia força. Daí que solto a máxima “Força e pau no cat!”.

Essa expressão garantiu muitas risadas e um apelido entre os amigos de corrida. E para mim, a expressão significa foco no objetivo, força e dedicação.

O apelido é mais uma inspiração no meu dia a dia, me lembra do significado que o dei. E pra você, o que te inspira?